sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Os Pequenos Mundos do Edifício Yacoubian, de Alaa El Aswany


Construído na década de 30 do século passado, o Edifício Yacoubian é um dos mais antigos da Baixa da cidade do Cairo e um símbolo de uma época. Neste livro, porém, é muito mais que isso. Por detrás da sua fachada de esplendor mas também de decadência, cruzam-se diariamente todo o tipo de personagens, que, com as suas contradições, dificuldades e sonhos ilustram a sociedade egípcia actual e a forma como as mais recentes décadas de história a marcaram. É assim que conhecemos Zaki Bei, o velho playboy aristocrata; Hatim, um homossexual que se arrisca a perder tudo num mundo cada vez mais intolerante; Taha, que é aliciado por um grupo fundamentalista ao ver frustrada a possibilidade de realizar o seu sonho; ou Busayna, que é forçada a prostituir-se para ajudar a família; entre outras personagens. Alaa El Aswany aborda assim assuntos tabu como a corrupção, a sexualidade, o fundamentalismo religioso ou a desigualdade social, mas fá-lo num tom que é sempre isento de julgamentos, pois no Edifício Yacoubian não há pessoas boas ou más, há somente pessoas que perderam a sua inocência. Os Pequenos Mundos do Edifício Yacoubian tornou-se um dos livros mais vendidos de sempre em árabe.


(sem spoilers)

Nada melhor para começar do que uma opinião. Este livro foi a minha última leitura de 2008, e inesperada (o Pai Natal da editorial Presença decidiu entregar-mo... *assobio*)

Não é uma leitura viciante. Muito menos marcante. Não é um livro que vá ficar para sempre na minha memória, porque limitou-se a ser "mais uma leitura". Talvez porque a sociedade islâmica/egípcia não me satisfaça completamente, talvez porque as diversas personagens não são verdadeiramente cativantes (por boas ou más razões), ler ou não ler este livro parece-me opcional.

Esperava personagens muito mais marcantes. Acho que o título engana um pouco. Que eu saiba, em inglês chama-se apenas "The Yacoubian Building", mas em português acrescentaram "Os Pequenos Mundos". Acho que estas últimas (primeiras no título) palavras fazem toda a diferença na expectativa do livro. Pessoalmente, "Os Pequenos Mundos" transmite-me algo mais tocante, profundo, mais curioso, é uma classificação com alguma ternura. O livro não é nada assim. É muito directo, sem floreados nem nenhuma descrição a que se possa chamar "bela", e o percurso das personagens não é propriamente viciante.

Porém... a verdade é que estamos perante um livro INTERESSANTÍSSIMO. É tão directo que não se preocupa em ligações com o leitor. No entanto, para um livro relativamente pequeno, tem um potencial muitíssimo grande. É uma excelente e admirável descrição da sociedade egípcia, do Islamismo e da cultura dessa sociedade, que se resume no Edifício Yacoubian. Cada personagem serve apenas para resumir e descrever a vida nessa sociedade, perseguida constantemente pela desigualdade no emprego, por exemplo, ou por fundamentalistas de carácter religioso, ou por hábitos que ou vão contra ou a favor de quem tem o poder, quem monopoliza a vida dessas pessoas e as controla diariamente.
Dá-nos a conhecer um modo de vida diferente do que estamos habituados. É um retrato muito fiel da sociedade egípcia que se confronta diariamente com a mistura de culturas, islâmicas, muçulmanas ou ocidentais, conduzindo a confrontos diários e lutas pela sobrevivência. É impressionante para quem, como eu, se apercebe da enormidade desse controlo e do quão limitada e definida a sociedade pode ser, não dando oportunidade às pessoas de decidir o seu destino, por estarem presas a essas ideias por vezes estúpidas, mas que infelizmente existem e fazem com que o mais forte se favoreça.

A mensagem não é, portanto, muito animadora, principalmente quando nos dizem que outros controlam o nosso destino e que pequenas insignificâncias podem manchar a nossa vida. Fez-me reflectir no que será a própria sociedade ocidental e as suas limitações (claro, os ocidentais não são nada comparados com a frieza, a crueldade e a direcção da sociedade que o livro nos apresenta). Não deixei de simpatizar com algumas das muitas personagens que habitam este edifício, esta sociedade tão oprimida. Acabei não muito tocado, mas pelo menos algo me deu um pequeno sorriso, e porventura uma mensagem de esperança (porque, no meio disto tudo, ela ainda existe).

É um livro para interessados. Aliás, é uma excelente descrição de uma sociedade. Apenas realço que não me marcou profundamente.


(não pela qualidade, mas sim pelo que me atraiu, leva 2,5 estrelas.)

11 comentários:

Anónimo disse...

nunca tinha ouvido falar, tb não me entusiasmou mt a leitura, talvez o leia um dia destes e dê a minha opinião :D****

Nocturna disse...

É assim Pedro .
Não foi o melhor começo, quanto a leituras, mas também temos que ler aqueles livros que não nos marcam profundamente. Como és do teimosos ao longo do ano vais encontrar vários livros que te vão marcar.

P.S. Ainda a propósito de «Novo Ano; Nova Página», no meu post da ocasião não referi a beleza desta página e acho que é de salientar. Inveja ,Inveja ...
abraço nocturno

anaaaatchim! disse...

Pois.... A sinopse parecia mais interessante pelos vistos...

Mas também, se não lermos os livros menos interessantes, se calhar não encontramos "aqueles" que valem a pena :)

a disse...

Bela capa! O.O

Pedro disse...

Vera,
é uma novidade, por isso é normal.

Nocturna,
na realidade, não foi o melhor final, pois li-o no fim de 2008 xD
Aliás, o primeiro do ano ("Equador") já está a deixar as suas marcas...
Obrigado pelo elogio ^^

Anaaaatchim,
sabes, o livro foi interessante, aliás muito interessante. O problema é mesmo não ter passado disso, não procuro apenas um livro que interesse mas também um livro que me faça sentir algo. Não chegou, não me encheu as medidas...

Beatriz,
também achei ;) Completamente. É pena o livro não seguir a mesma beleza...

um grande abraço

Mónica disse...

São as coisas menos boas que nos levam a apreciar as realmente boas.

Se os standard das leituras fosse a excelência, esta tornava-se corriqueira e desinteressante.

Como me interesso pelo estudo de outras culturas talvez seja um livros interessante para mim mas, a referência a que era "pequeno" desanima um pouco. Como já tive oportunidade de constatar somos parecidos... adoramos livros "ao kilo" :D

Pedro disse...

x)
Sim, é um livro algo para o pequeno, mas por vezes também merecem a nossa atenção não é? =P
Como disse, achei o livro muito interessante pelo retrato da sociedade egípcia, e fiquei muito surpreendido nesse aspecto. Vale bem a pena por isso.
O único problema foi mesmo ter sido apenas uma leitura de passagem.
Se achas que é interessante para ti, só to posso aconselhar ;)

Carla disse...

primeiro quero dar-te os parabéns pelo novo visual...está bela a tua página
Depois dizer que o livro, mesmo não te tendo marcado suscitou em mim alguma curiosidade...provavelmente mais pela tua capacidade descritiva, do que pelo livro propriamente dito
beijos e boa semana

flicka disse...

Oh, que pena... a sinopse e a capa pareciam tão prometadores. Enfim... Já não vou ler esse. :-/

Tiago Mendes disse...

Ainda ontem estive com ele na mão na Fnac, mas não lhe chueguei a ler a sinopse. Apesar da tua opinião de que não te marcou, gosto deste conceito de histórias. Personagens com passados obscuros... interligadas unicamente por viverem no mesmo edíficio (?).

Muito boa crítica! Boa sorte com o novo blog! E bom ano 2009! :D

tiago

Pedro disse...

Carla,
Obrigado!
Acho que o livro expira curiosidade, a mim aconteceu-me isso! O título, a capa, até a sinopse, para mim é tudo muito prometedor. E sim, é um bom livro ao fim e ao cabo. Mas como leitor procuro conhecer e ao mesmo tempo distrair-me. Este livro é mais "conhecer" do que propriamente "distrair".
De qualquer maneira, talvez te surpreendas ;)

Flicka,
ainda podes ler! É como dizes, a sinopse e a capa parecem mostrar um livro espectacular... E eu gostei, eu gostei, foi um bom momento de leitura "after all"! Apenas sinto (e sei) que amanhã já não me vou lembrar dele, foi interessante enquanto durou, nada mais.

Tiago,
Uma coisa tens razão: "interligadas unicamente por viverem no mesmo edifício". E considera esse edifício como a sociedade egípcia. Daí a parte muito interessante do livro ;D
Já o "personagens com passados obscuros"... receio não poder confirmar. As personagens não têm passados obscuros, têm uma vida presente e que é muito limitada pela cultura em que vivem. Se o autor tivesse desenvolvido mais certas personagens, este livro seria único e maravilhoso. Como vez, é assim que um livro MUITO interessante perde nalgumas coisas... =/
Obrigado pelo desejo de sorte ;) Um excelente 2009 para ti também!

Um grande abraço

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