domingo, 11 de outubro de 2015

O Prisioneiro da Árvore, de Marion Zimmer Bradley

O presente volume constitui a segunda parte do monumental romance As Brumas de Avalon. Significativo da sua qualidade e simultânea popularidade, é o facto de alguns paises já se terem atingido a vigésima edição desta obra tão favoravelmente acolhida pela crítica mundial.


«Lemos o primeiro livro,
A Senhora da Magia. Esperamos pelos restantes para preencher a nossa avidez de mistério e de saudade daquela sabedoria inicial, que fomos perdendo na assimilação de culturas, quando éramos um com a terra.»
João Mattos e Silva,
Letras & Letras, Mai. 88

«Uma perspectiva alucinante e vertiginosa, de uma época onde tudo era possível através dos poderes das mulheres.»Mulheres, Fev. 88


«O ponto de vista das mulheres, sobre este ciclo de lendas, é, de facto, original e cativante. A prová-lo está o enorme sucesso editorial que a obra de Bradley suscita em toda a parte.»
A Capital, 26 Nov. 87

«Uma fascinante visão do mágico, do místico, do fantástico de eras perdidas do mito.»
D. S. Bruno,
Semanário, 22 Dez. 87 

«... um livro a reter como um retrato relativamente fiel de uma tradição, onde o fio da lenda (haverá coisas tão agradavelmente reais como as lendas arturianas?) é contado a partir de outra perspectiva, de outro olhar sobre o destino da História e do sentido de Avalon.»
Francisco José Veigas, Expresso, 5 Mar. 88 




Eis que chegamos ao fim do famoso clássico sobre a lenda do Rei Artur. A fama de As Brumas de Avalon é brutal, não só na forma como esta versão se tornou tão popular mas também no seu impacto na Literatura.
Inúmeros, inúmeros livros foram e são altamente influenciados por Marion Zimmer Bradley ter explorado tanto a tradição celta, o paganismo, o misticismo e a perspectiva feminina e feminista na acção.
Depois de ter lido As Brumas de Avalon, posso dizer que gostei de ter ficado a conhecê-las. Entreteve-me, como acho que deveria. Mas não creio que Bradley esteja livre de falhas na sua perspectiva, sobretudo na forma como encara este suposto feminismo (que para mim pouco de feminista tem) e como explora este culto místico ao acompanhá-lo com fortes ataques à tradição cristã (que para mim se aproxima do fanatismo). Aliás, apesar da interessante e original ideia, não me entusiasmou tanto quanto estava à espera. Será que é mesmo preciso ser-se mulher para nos apaixonarmos por Marion?


Nunca, em todas as páginas desta obra, a autora deixou de ser fiel à sua premissa: contar a história de Artur numa perspectiva feminina. Louvo-a imenso por isso. Por vezes teve de pôr de parte acontecimentos importantes como batalhas ou aventuras pessoais do próprio Artur e dos seus cavaleiros, mas nem por isso se desviou do seu intento. As Brumas de Avalon são uma obra única no panorama literário sobretudo por isso. O seu impacto era previsível e inegável, certamente uma abordagem única quando foi lançado.

Gostei muito de voltar a pegar numa obra sobre o Rei Artur, cuja vida habita desde sempre na minha imaginação. Bradley ofereceu-me uma leitura que entreteve e me deu a conhecer novas personagens. Desde sempre conheço Morgaine, Guinevere, Lancelot ou Artur, mas a cada nova versão elas são alteradas, tornando-se novas pessoas, possíveis de serem redescobertas. E esta versão sem dúvida traz novas luzes, sobretudo no que toca aos sentimentos que nutrem entre si (alguma vez alguém explorou Lancelot como homossexual? A exploração sexual das personagens nesta obra está muito interessante).

Não foi a minha interpretação preferida. Não achei que tivesse sido a mais completa sobre a história, de todo (apesar de, mais uma vez refiro, ter sido a mais completa de acordo com o que seria de esperar de uma perspectiva das mulheres). Foi completa dentro daquilo a que se propôs, mas nem sempre me senti totalmente satisfeito. Entreteve, sim, mas não me manteve agarrado a cada página, não me fez vibrar como outros já o fizeram (sobretudo a versão de Bernard Cornwell).
Mas gostei. Sobretudo, gostei de ter finalmente conhecido o místico mundo de Avalon, que nunca foi tão bem explorado quanto aqui.

Quanto ao final, a este último livro, dirijo-me a Marion: mais valia teres ficado quieta. Apesar de algumas surpresas que me agradaram esperava muito melhor na conclusão.
Mais uma vez, são inúmeros os acontecimentos mais do que importantes que não assistimos (sobretudo os que envolvem Mordred e o seu contacto com Artur - só porque Mordred não é mulher) e isso torna-se especialmente frustrante nesta última parte. É certo que foi uma opção inevitável para manter a perspectiva puramente feminina, mas não deixa de ser aborrecido porque o final da lenda de Artur está demasiado ligado à sua relação com Mordred, uma relação muito mal explorada por Marion.

A magia regressa, para meu pesar porque acho a magia de Bradley demasiado fictícia e irreal para se tornar minimamente empolgante. A magia nestes livros, sobretudo a realizada por Morgaine, são como milagres dos Deuses que nunca são explicados, nem são suposto sê-lo para manter a sua aura de misticismo, o que quebra completamente o ritmo da história. Este último livro tem uma falha enorme na sua credibilidade.
E ainda Marion se queixa do cristianismo...

Apenas uma personagem realiza magia que recorre a rituais concretos, uma única vez ao longo destes quatro livros a escritora dedica-se a desenvolver como é que um ritual de magia e adivinhação funciona, o que sem dúvida dá credibilidade ao acto. Mas adivinhem só: esta personagem é completamente ignorante nas artes de Avalon, pelo que a sua magia (que se apresenta mais credível e real do que qualquer outra e não se baseia em fenómenos inexplicáveis feitos do nada por vontade e graça da Deusa), não é considerada verdadeira. É frustrante.

Também mais uma vez, voltamos a encontrar mulheres que apesar de poderosas resignam-se completamente a um destino que acreditam estar escrito pelos Deuses... Este último livro é um enorme retrocesso até ao primeiro livro, para actos de magia milagrosos e mulheres completamente submissas ao culto. Isto é ser feminista? Porque havemos de torcer por mulheres que fazem aquilo que os Deuses dizem para fazer, sem sequer questionarem, onde está a vontade própria? Creio sinceramente que Marion Zimmer Bradley possui umas noções muito erradas do que é ser feminista...

 A resolução pareceu-me relativamente abrupta, sobretudo no que toca ao destino de Artur. Mais uma vez, são os danos de uma perspectiva feminina que fazem com quem assim o seja... Mas fiquei sobretudo desiludido por ter sido um final muito, muito pouco memorável numa obra que fala de misticismo, que fala de Avalon. Esperava algo completamente diferente. Para uma obra tão mágica, tão misteriosa, espera-se que o clímax seja memorável, que faça parte do resto da obra. Pois enganamo-nos, pois é como se a escritora se tivesse esquecido que Avalon existe sequer. Acho que se exigia algo completamente diferente. Fico surpreendido em notar como, com o tempo, a própria autora se afastou de Avalon e perde-se, tornando o que era suposto ser um romance de fantasia histórico para outra coisa... As Brumas de Avalon fica na memória nunca como um livro sobre a lenda do Rei Artur, mas sim sobre o culto pagão da Deusa.

Infelizmente, este último livro não fecha, a meu ver, o livro da melhor forma.

A mensagem final é contudo alegre e esperançosa, pelo que "tem concluído o seu trabalho". Como um todo, a obra vale a pena conhecer, apesar de não me parecer de todo obrigatória. É uma obra única pela abordagem ao misticismo, à espiritualidade e às mulheres na história e na Literatura, mas achei recheada de falsas noções de feminismo (de um pouco de tudo na verdade) e descrições irrealistas de magia.

Será que, de facto, é preciso ser mulher para entrar neste universo? Talvez. Nunca o poderei confirmar por mim próprio, a menos que o faça noutra vida...


2 comentários:

Unknown disse...

Agora fiquei com vontade de ir reler as Brumas :)
Li as Brumas há 20 anos e marcou-me profundamente. Acho que foi com este livro que dei, definitivamente, o salto para as leituras de adultos. Tinha 16 anos e nunca mais fui a mesma. Como tal acredito que as minhas memórias e a minha percepção do livro (já o reli várias vezes mas há muitos anos que não o faço) estejam deturpadas pelo tempo (e acima de tudo pela maturidade, ou ainda pela falta de maturidade que os 16 implicam).
Mas é sempre bom voltar a Avalon, nem que seja pelas palavras dos outros.
Obrigada

(Não sei se já leste o "Presságio de fogo" da MZB mas é, na minha opinião, o melhor em relação à perspectiva feminina)

Anónimo disse...

Achei curioso ver uma publicação recente sobre esta série de livros, pois normalmente, os leitores dedicam-se mais ao livros de "hoje". Para mim esta foi uma das melhores obras que li, e todas as outras da autora MZB me prenderam de início ao fim. Neste momento estou a ler "A Senhora de Avalon". é interessante conhecer toda a história que se passa antes da obra final que encerra a série Avalon, aconselho vivamente para quem se interessa pelo tema. Nesta série, também gostei muito da Casa da Floresta.
Fora desta série li "A Colina das Bruxas" também carregado de misticismo e com uma perspetiva menos feminista e mais atual. Se ainda não leu, talvez fosse gostar!
Obrigada

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