domingo, 28 de outubro de 2012

A Manopla de Karasthan, de Filipe Faria

Na imensidão cósmica existe um mundo, Allaryia, de grandes heróis e vilões infames, de seres de uma beleza indescritível e criaturas maléficas de uma fealdade atroz, nações poderosas e impérios tirânicos. Depois de muitas eras que alternaram entre a paz e a discórdia, encontramos neste primeiro volume das Crónicas de Allaryia, um tempo de aparente tranquilidade, de uma calma inquietante, semelhante ao silêncio que antecede a tempestade. Algures, numa câmara escura, subterrânea, algo se move, tentando libertar-se de anos de cativeiro, algo monstruoso, inumano, sedento de sangue e dor. O povo de Allaryia perdeu o seu campeão – Aezrel Thoryn, provavelmente morto numa batalha contra o Flagelo, a força das trevas, em Asmodeon – e mais do que nunca precisa de protecção. Aewyre Thoryn, o filho mais novo do saudoso rei, pega em Ancalach, a espada do seu pai, decide descobrir o que realmente lhe aconteceu e parte a caminho de Asmodeon. O que o jovem guerreiro não podia prever era que a sua demanda pessoal se iria transformar, à medida que os encontros se vão sucedendo, na demanda de um grupo particularmente singular, que reunirá a mais estranha e inesperada mistura de seres - Allumno, um mago, Lhiannah, a bela princesa arinnir, Worick, um thuragar, Quenestil, um eahan, Babaki, um antroleo, Taislin, um burrik, Slayra, uma eahanna negra e o próprio Aewyre. O ritmo a que se sucedem as aventuras é absolutamente alucinante, a cada passo surgem perigos mais tenebrosos, seres aterradores que esperam, ocultos nas sombras, o melhor momento para atacar e roubar a tão desejada Ancalach… Mas os laços de amizade que unem o grupo estão cada vez mais fortes e, juntos, sentem-se capazes de enfrentar qualquer inimigo. Um livro extraordinário, vencedor do Prémio Branquinho da Fonseca atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo semanário Expresso, que promete conquistar um lugar privilegiado na literatura portuguesa.

Volto mais uma vez a embrenhar-me numa saga. Não consegui ficar longe. Depois de ler de seguida os dez livros já publicados de "Crónicas de Gelo e Fogo", de George R. R. Martin, em vez de ficar cansado fiquei com vontade de voltar a embrenhar-me numa outra jornada! Escolhi "Crónicas de Allaryia". Felizmente, esta já está acabada.

Tratam-se de sete volumes, dos quais já li os cinco primeiros. Como essas leituras já ocorreram há bastante tempo, muitos pormenores foram esquecidos. A vontade de os reler tem sido grande ultimamente e aproveito para seguir até ao último livro.

Apesar de já ter lido o primeiro livro há muito tempo (bolas, receio que o li pouco tempo depois de ter sido publicado, ou seja há 10 anos!), fiquei ligeiramente surpreendido por me lembrar bem da história. Talvez porque a minha bagagem literária naquela altura ainda era bastante pequena (hoje em dia já li tanto que acabo por filtrar bastantes leituras), talvez porque foi o primeiro livro do género high fantasy que li. Lembro-me que, apesar de ter gostado do livro, não me marcou particularmente de forma alguma. Esta releitura, apesar de não me impressionar, proporcionou-me uma leitura bastante agradável.

A inspiração em grandes obras como "O Senhor dos Anéis" é inegável. Mas como não o seria? São raras, muito raras, as obras de high fantasy que não se inspiram no clássico de Tolkien, simplesmente porque "O Senhor dos Anéis" é a definição de Fantasia! O grupo de amigos prontos a combater pelo Bem é uma imagem clássica. Os seres fantásticos, os bons e os maus, também o são. Tal como a gravidade, há certas forças em Allaryia que respeitam as mesmas forças de qualquer outro mundo fantástico. Portanto, esta não é de todo uma leitura diferente de tantas outras e mesmo as ideias relativamente originais estão um pouco rebuscadas e elaboradas de forma bastante ingénua.
Ainda assim, o esforço em criar um mundo de raiz é incrível. Os seres fantásticos acabam por referenciar clássicos como os Elfos, Orcs ou Anões, mas algumas divergências tornam os eahan, os drahreg ou os thuragar merecedores de alguma atenção. Personagens como Coillen (um tirano com o corpo de correntes metálicas) ou Hazabel (uma mulher maléfica de hábitos horríveis e com intenções muito misteriosas por enquanto) parecem honestamente únicas. A mente de Filipe Faria prova ser capaz de nos entreter no seu mundo, e neste momento é só isso que peço.

A imaturidade do livro, porém, não deixa de saltar a olhos vistos. Claramente escrito por um indivíduo bastante jovem (16 anos!), as aventuras que os companheiros vivem ao longo da sua jornada precipitam-se e parecem demasiado propositadas. Sejam personagens, sejam quaisquer ideias nascidas em Allaryia, são parcamente desenvolvidas. Raramente nos é explicada a origem de certos seres ou mesmo as motivações das personagens principais, e se o são acabam por ser razões dolorosamente simples ou cliché. Os elementos mais misteriosos e que parecem trazer algo de sinceramente diferente à obra não são sequer abordados, portanto resta esperar que os próximos livros o façam.
Impressionante é a velocidade astronómica com que tudo se desenrola. Acontece tudo de forma tão rápida que o leitor mal consegue reter tudo. Em poucas páginas, os companheiros juntam-se, batalham com a pior raça de Allaryia, desenvolvem as complexas relações entre si, são capturados, são atacados por monstros com cabeças de javalis, andam para a frente e para trás repetidas vezes porque um dos companheiros está constantemente a mudar de bom para mau (coisa que ele dificilmente consegue controlar), encontram-se com uma mulher maquiavélica e mudam a vida de uma cidade inteira. Não só tudo isto soa da forma mais ingénua possível como acontece tudo em poucas páginas, ainda antes de chegarmos a metade do livro. Tão rápido que um leitor acaba de ler com a sensação de que não leu tudo! Não admira que, mesmo depois de acabar a releitura, sinta que precise de reler mais uma vez...
Parece que, ao escrever o livro, Filipe Faria não tinha a noção de que esta se prolongaria, seriamente, por uma saga de sete livros. Resultado disto, a história vai-se construindo sucessivamente de forma um pouco descuidada, sem preocupação com a formação dos futuros livros.

Contudo... O livro está incrivelmente bem escrito, sobretudo se nos lembrarmos que Filipe Faria o escreveu com 16 anos. É verdade que tudo parece ocorrer ao mesmo tempo, é verdade que descura muitas descrições e é verdade que se pedia que muitas coisas sobre Allaryia não fossem simplesmente deixadas ao leitor para imaginar o que quisesse (é que sem uma enciclopédia sobre Allaryia, há coisas que são muito pobremente faladas, e como fã de Fantasia não gosto disso...). Mas também é verdade que Filipe Faria escreve como nós lemos, sem parar. Muito simples, muito fluido, muito fácil de prosseguir. Para um rapaz de 16 anos, é incrível. Sem nós querermos, criamos uma empatia com o livro que vai para além da história em si. Receio bem ser uma sensação que apenas um bom escritor é capaz de proporcionar.

É com vontade que prossigo para os próximos livros. Não pela história em si, porque essa não tem por enquanto nada de especial que se lhe diga. As aventuras vão acontecendo ao longo do caminho, pouco é explorada a história que nos deverá acompanhar a saga inteira, e uma vez que nada de novo traz (por enquanto!!!) não é mais do que um entretenimento para quem, como eu, adora Fantasia. Sigo a leitura pelas personagens. É impossível não criar um enorme carinho pelas personagens de Filipe Faria. Para mim, isso prova que estamos perante um excelente escritor e é garantia que os próximos livros serão tão bons quanto este. Pela boa disposição de Taislin, pelo temperamento de Worick, pela relação de Quenestil e Slayra, por Kror, por Hazabel e os seus misteriosos planos. Esses sim são o melhor conseguido.


6 comentários:

Rui Bastos disse...

Tu não te devias ter metido nisto... E não posso deixar de perguntar quantas dessas 3.5 estrelas não foram dadas por teres uma afeição especial ao livro, não directamente relacionada com a qualidade do mesmo? ;)

Pedro disse...

Ora, mas porque não? Neste momento estou mesmo virado para estas leituras, sinto-me mesmo bem =)

Sinceramente, eu diria que apenas aquele 0,5 foi pela afeição. Se eu puser de lado essa afeição (que confesso não é assim muito grande) e se já não soubesse bastante sobre os próximos livros, provavelmente dar-lhe-ia 3 estrelas. Continuo a achar que estamos perante um esforço incrível (ainda que com um resultado muuuito rebuscado) de um novo mundo, de personagens próprias e de uma nova aventura. Apesar de o primeiro livro não dar atenção quase nenhuma ao resto da saga, é uma leitura muito agradável e que me entreteve. Não tem a qualidade de outros livros do género, ou ainda não tem a qualidade que sei que irá atingir, mas foi uma leitura agradável e também há-de merecer estrelas por isso!
(Habituei-me bastante a este sistema, mas sem dúvida nunca reflecte aquilo que o texto completo diz)

Eu adorei as personagens! A única personagem que não me aqueceu nem arrefeceu foi o Babaki (deveria ser o contrário bem sei, mas honestamente tinha uma ideia muito diferente dele. É uma personagem demasiado secundária que, se não fosse o seu problema, passaria demasiado despercebido. Vamos a ver se mudo de ideias no próximo livro...). E apesar de tudo acho que ele escreve muito bem, para a idade que tinha! Ok, provavelmente, no meu julgamento da obra, fui muito mais influenciado por ter sempre em mente que estamos a falar de um livro escrito por um jovem de 15/16 anos do que por qualquer afeição especial.

Rui Bastos disse...

Eu perguntei porque pessoalmente tenho um carinho especial por esta saga, que me deixa passar por cima de alguns defeitos, alguns deles bem gritantes.

Mas compreendo o que dizes, embora não concorde completamente! Não acho o livro assim tãaaaaao bem escrito... Está mediano, vá, e o facto de a história não ser lá muito sólida, nem os desenvolvimentos muito coerentes, deixa-me de pé atrás.

Das personagens, tenho que concordar, por mais defeitos que consiga arranjar ao Filipe Faria, ele tem jeito para as personagens. Eu cá apreciei o Babaki, embora ele se revele mais interessante no livro seguinte... (E NO SEXTO, MUAHAHAHAHAHAHAHA). Não dá é para desgostar do Worick, nem do Taislin. É impossível não ficar intrigado com o Kror e a Hazabel! As personagens estão de uma maneira geral muito boas, é um facto.

Agora é ver se te despachas a ler isso... Eu estou quase a acabar o sexto, mal posso esperar para começar o sétimo!

Pedro disse...

Eu quando li pela primeira vez não fiquei assim tãããão agarrado... Aliás, da primeira vez lembro-me de nem sequer ter percebido muito bem a história (talvez por causa do ritmo tão rápido). Apesar de ainda não estar totalmente viciado na história, as personagens sem dúvida são o meu preferido (and let me say, I'm team Taislin, he's the best!!!).

Acho que levei muito a sério o facto de ele ter 16 anos ao escrever isto e acabo por admirá-lo mais por isso. (sim, não é nada sólida a história, e há tantas coisas que são apresentadas à pressa e sem explicação nenhuma. A cena da Essência da Lâmina então deixa-me super irritado, para além de achar que não deveria ter sido apresentada logo no primeiro livro, ele não explica nada sobre o assunto. Como se o leitor tivesse de engolir e aceitar do nada. E isso acontece em imensas situações. Se eu não soubesse que ele também vai desenvolver este assunto mais tarde...) Mas acho que ele conseguiu, através de uma escrita muito simples, cativar o leitor. Isso eu acho muito raro de encontrar (eu então que gosto tanto dos livros mais pesados, descritivos e profundos, fiquei impressionado com o quão simples mas cativante a escrita é). E as cenas mais emocionantes? (ou seja Alyun e Nabella) Sim, mais uma vez, foi um pouco precipitado ainda nem a metade do livro escrever algo tão dramático, mas não deixei de achar bastante bom. E, mais uma vez... Ele tinha apenas 16 anos xD

Aah, esqueci-me de referir na minha opinião: HORRÍVEL REVISÃO. Simplesmente horrível. Espero que as edições seguintes estejam melhores. Quantas vezes eu não lia "Quenestil concordou" sem ele sequer estar ao pé deles, ou "Worick atacou alguém" quando ele estava inconsciente. E depois a acção decorre TÃO RÁPIDO que numa frase eles estão a lutar e noutra parece que já estão a tomar banho, eu sei lá, é mesmo muito confuso.

WHAT??? ISSO FOI ESCUSADO!!! SABES QUANTO FALTA PARA CHEGAR AO SEXTO??? WTF DUDE, má onda, má onda!!

O Kror e a Hazabel são fantásticos! Ainda bem que não me lembro bem da história deles (nem de metade dos intervenientes do Mal), porque sei que são sempre o mais fascinante.

Acho que vou conseguir ler com alguma rapidez os livros! Não vou apressar-me contudo, prefiro ler devagar e sentir que não preciso de reler nada até daqui a alguns anos xP

Rui Bastos disse...

Deixa-me só dizer que no sexto há um "e o pajem assustou-se com o ruído", sendo o pajem o pajem surdo xD

E agora estás em pulgas, assim é que é bom xD

O Kror e a Hazabel são geniais, mas a Hazabel vai perdendo a piada... Depois começam a aparecer personagens como Dilet, Othragon, Nishekan, Tannath (que mesmo assim fica um bocado pro parvo...), e... SELTOR. A partir do momento em que aparece o Seltor, as outras personagens parecem-me extremamente cinzentas xD

E sempre que o Worick abre a boca, mato-me a rir!

Pedro disse...

Isso é uma falta de atenção... E estou a ver que não melhora =/

Os vilões são sempre as melhores personagens. Não vale a pena contrariar, o Mal é uma coisa fascinante.

(o Worick é mesmo hilariante, e tem sempre aquele seu temperamento! Nunca muda, aconteça o que acontecer hehe)

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