segunda-feira, 23 de abril de 2012

A Possibilidade de Uma Ilha, de Michel Houellebecq

Um romance que é um relato da vida de Daniel, humorista de sucesso que está a envelhecer e que evoca os seus amores e o encontro com os adeptos de uma seita secreta que, prometendo a imortalidade através da clonagem e de manipulações genéticas, acabará por se impor como a religião do futuro. Este relato de vida é comentado, mil anos mais tarde, por Daniel24 e Daniel25, dois dos seus clones.
Um livro que mistura de forma magistral e provocadora, a narrativa filosófica e a meditação sobre as misérias inerentes à condição humana. Duro e ácido, como merecem os nossos tempos, mas que nos diz, contudo, que existe sempre "a possibilidade de uma ilha".

É difícil encontrar autor mais polémico actualmente. Amado por uns, odiado por outros, não há um meio termo. Alguns vêem-no como um génio, um observador da sociedade e da condição humana; outros vêem-no como um puro provocador, vulgar escritor de pornografia, racista.
 Eu pertenço às pessoas que o vêem como um génio. Este homem consegue ver o mundo de uma forma que ninguém tem a coragem de fazer. Sim, é provocador, sim, recorre muito frequentemente à sexualidade, à obscenidade, por vezes com desprezo por certas pessoas. Mas de que outra forma seria possível mostrar aquilo que quer? A crua realidade de que é feito o humano, das suas limitações, das suas ambições, da sua decadência. Houellebecq é puramente genial na sua observação crua à nossa espécie, e isso é tão visível neste "A Possibilidade de Uma Ilha" (cujo título, aliás, remete para uma certa "esperança", sentimento que, chegamos à conclusão, é a verdadeira essência do que faz de nós humanos).

Daniel é uma personagem curiosa: apesar de humorista, apesar dos seus sketches serem todos provocativos, apesar de acreditar que tudo se resume a sexo, é um sentimental. Um terrível sentimental, um amante, que procura tanto o sexo como o amor. Ao longo do livro percorremos a sua vida e as suas divagações, até atingir a meia-idade: essa idade terrível, em que o corpo começa a trair-nos, em que o sexo já não é fácil e em que encontrar o amor é cada vez mais improvável.
Ao mesmo tempo, lemos a narrativa de dois dos seus clones, dois mil anos depois. Estes clones são neo-humanos, um estádio evolutivo posterior ao humano, e portanto muito diferente da nossa psicologia. É com a sua narrativa que vai ser possível olharmos para o cinismo de Daniel e perceber que por detrás do desprezo pela condição limitante da nossa espécie, está aquilo que faz de nós únicos, diferentes, admiráveis. Depois de escrever este livro, não consigo perceber como é que há pessoas que julgam que Houellebecq tem o maior desprezo pela raça humana.

É muito difícil ler um livro que praticamente nos diz que a vida a partir dos 50 anos não é vida digna. Para quem é jovem, acaba por matar quaisquer perspectivas para o futuro. Para quem já tem essa idade, suponho que obriga a fazer uma introspecção muito dolorosa. Contudo, não encontrei ainda livro que melhor ilustre a condição humana actual, e aquilo para o qual tendemos a evoluir. Pode parecer algo cínico, mas em boa verdade é a realidade que não queremos admitir. O efeito que as pessoas têm sobre nós. Sobretudo o efeito que nós temos sobre nós próprios. Houellebecq não fecha os olhos à realidade dos anos, à decadência do corpo, à perda da tensão sexual juvenil. A nossa psicologia gira toda à volta da ideia de que um dia vamos querer sentir aquilo que já não sentimos. Vivemos tentando atrasar a morte; vivemos tentando prolongar o prazer; vivemos procurando um equilíbrio. E seguimos qualquer fé que nos prometa tudo isto... (não falta nada neste livro, até discussão sobre a religião!)

Não será o livro mais ácido do autor, parece-me. Pareceu-me até bastante sentimental! O amor é um tema muito procurado nas suas páginas. De certa forma, depois de conhecermos os neo-humanos percebemos o quão gloriosos nós somos nas nossas limitações, nas nossas procuras, na nossa esperança. Fora alguns termos que remetem a correntes filosóficas que o leitor pode não conhecer, acho que o livro até se lê bastante bem. Sim, não digo que tenha sido uma surpresa, mas sem dúvida um dos melhores livros que me lembro de pegar, pelo menos nos últimos tempos.


5 comentários:

NLivros disse...

Olá Pedro!

Houellebecq é um dos escritores que nutro imensa curiosidade mas que nunca, também porque nunca se proporcionou, li.

Consegues aconselhar o melhor livro dele?

Abraço!

Pedro disse...

Não te posso dar uma opinião muito formada sobre qual o melhor livro, este é o único que já li. Tenho a certeza que vou pegar nos próximos em breve.

Curiosamente, este é considerado dos piores dele. Não sei porquê: talvez por causa do carácter de ficção científica (uma das coisas que me chamou mais atenção, este é um livro cheio de questões éticas, e essencial para perceber o Homem hoje), e honestamente, apesar da sua fama de cínico, até achei que foi criar uma personagem muito, muito sentimental.

O melhor: "As Partículas Elementares". "A Possibilidade de uma Ilha", para mim, não deixou de ser um bom começo, mas esse é considerado o seu melhor e aquele que te aconselho.

Anónimo disse...

o último segredo... http://www.youtube.com/watch?v=jxGt2A6atTo

Dobra disse...

Livro genial, directo, verdadeiro e bruto. Um dos melhores autores da actualidade.

Pedro disse...

Dobra, nem mais. Um génio da actualidade.

Boas leituras!

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