Corre o Verão de 1955 e Frank e April Wheeler vivem com um cinismo distanciado o que para muitos dos seus contemporâneos representa o sonho americano: uma ampla vivenda nos subúrbios, duas crianças louras e risonhas, uns vizinhos simpáticos e, para Frank, um emprego em Manhattan bem pago e sem responsabilidades. No entanto, o abismo entre o que pensam das suas vidas e a forma como em realidade as vivem acabará por tornar o seu quotidiano insuportável. Quando April concebe um plano que lhes permitirá finalmente sair da situação em que se encontram, as tensões entre o comodismo e a necessidade de mudança provocarão uma crise mais grave do que poderiam ter imaginado.
Richard Yates nasceu em Yonkers (Nova Iorque) em 1926. Lutou no exército norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial. Ao regressar aos EUA trabalhou como jornalista. Revolutionary Road (1961), o seu primeiro romance foi finalista do National Book Award de 1962. Posteriormente, dedicou-se a ensinar em ateliers literários de diferentes universidades. A sua obra, que questiona o tão publicitado modo de vida americano da chamada "era da ansiedade", foi aclamada pela crítica, mas só gozou do êxito popular após a sua morte em 1992. Entre os seus restantes romances destaca-se Desfile de Páscoa.
Trata-se do último livro que li em 2011 e é complicado dizer se fechou bem ou mal o ano. Por um lado, é sem dúvida dos livros de melhor qualidade que li durante o ano; por outro, os temas que aborda e a maneira como os confronta não são, de todo, apropriados ao espírito esperançoso do novo ano.
Frank e April parecem um casal dos subúrbios absolutamente vulgar, com uma bela casa na idílica Revolutionary Road, dois filhos, ele um empregado de escritório com um emprego estável e ela uma dona de casa. Tudo aparências. Todo o livro é um confronto de aparências com verdade, de idealismos com realidade, de frustrações com sucessos.
Na verdade, Frank é um idealista, ansioso por explorar o mundo e ser diferente, mas no fundo hipócrita pois tenta ser o "homem da casa", um estereótipo muito na moda na altura e que para ele define a sua masculinidade, com uma esposa obediente e contenta-se sendo apenas mais bem sucedido do que o pai. April é uma mulher absolutamente frustrada, das mais interessantes do livro simplesmente porque nunca chegamos a perceber muito bem o que tem aquela mulher, que tanto se resigna como explode de fúria como sorri para a vida. O amor que ambos têm pelos filhos não é, de todo, o amor que se esperava. Frank considera ter o emprego mais chato do mundo e muito pouco faz. Revolutionary Road é um bairro de aparências, mas ao entrar naquela casa assistimos a uma confusão formidável.
Não se pode dizer que haja uma história no livro. Há apenas personagens. Não só os Wheelers mas também os seus vizinhos e seus amigos. Yates apresenta-no-los ao pormenor, fazendo-nos viver o que eles vivem, a sua vida resignada. Até ao dia em que o casal decide retomar os seus sonhos juvenis e revolucionar a sua vida... Mas tal será bem mais difícil do que eles pensam e poderá ser tarde de mais.
Apesar de ter adorado o livro como um todo, destacando a mestria do escritor, não simpatizei com as personagens. Não vejo como tal é possível. Acho que quando os descrevi mostrei o quão irritado fiquei com a frustração e hipocrisia que eram as suas vidas. Não quero desenvolver muito esta conversa, para que vocês possam ter a oportunidade de conhecê-los também, mas não consegui de todo gostar da sua atitude.
Ainda assim, não deixa de ser impressionante a viagem que Yates nos oferece na vida destas pessoas. Não gostei das personagens em si, mas gostei muito de tê-las conhecido, de ter percorrido as páginas do livro e explorá-las tão exaustivamente.
Infelizmente, não é um livro feliz do início ao fim. Nunca o é. Não só porque, obviamente, as personagens são demasiado frustradas para o permitirem. Talvez a conclusão seja simples: vivemos à base de aparências. Somos todos vítimas de uma sociedade que nos diz aquilo que nos faz felizes. Mesmo quando somos bem sucedidos numa carreira, somos felizes porque a sociedade nos diz que isso é motivo para o ser. Por muito forte que seja o nosso desejo de romper este hábito, de ser "livre", por vezes é demasiado tarde ou simplesmente não conseguimos porque não vivemos isolados do mundo. E quando nos apercebemos disso entramos em choque, acabando na tragédia que é todo este livro.
Para além do drama intenso do livro, não posso aconselhá-lo a quem procure mais do que ler. Só o posso aconselhar a quem gosta de ler, independentemente do tipo de história que vai encontrar ou do tipo de personagens. Mas é sem dúvida merecedor de um lugar nas nossas melhores estantes.
8 comentários:
Gostei imenso deste livro. Lembro-me que quando o terminei fiquei horas a pensar em toda a história, nas vidas daqueles personagens e o culminar de todos os acontecimentos, que olhando friamente só poderiam terminar daquela maneira.
Umas semanas depois vi o filme e achei-o muito colado à realidade do livro. Excelentes interpretações de DiCaprio e principalmente de Kate Winslet.
Há uma citação que penso que consegue transparecer toda a obra:
«É como se toda a gente tivesse feito um acordo tácito para viver num estado de auto-ilusão total. Para o diabo com a realidade! Vamos ter uma data de estradinhas giras e às curvas e casinhas giras pintadas de branco, de cor-de-rosa e de azul-bebé; vamos ser todos bons consumidores e um exemplo de solidariedade e criar os nossos filhos numa redoma de sentimentalismo - o papá é um homem óptimo porque ganha a vida, a mamã é uma mulher óptima porque ficou ao lado do papá estes anos todos - e se a velha realidade alguma vez saltar cá para fora e disser Buu, nós ocupamo-nos com qualquer coisa e fazemos de conta que aquilo nunca aconteceu.»
Tonsdeazul, essa citação é espectacular! Mostra de facto com que tipo de confronto se lida no livro. Muito boa!
Quanto ao filme, ainda não vi, mas honestamente acredito que, se bem dirigido e interpretado, consegue ser tão bom ou melhor do que o livro.
Olá Pedro,
É a primeira vez que visito o teu blog, do qual, desde já, gostei.
Em relação ao livro, não o li, mas assisti ao filme.
Lembro perfeitamente em ir ao cinema com a ideia de ser um grande filme, e até porque - devo confessar - queria ver de novo o "casalinho" que protagonizou o Titanic.
Não foi um filme muito agradável de ver.
Penso que o livro deve ser muito melhor.
Abraço e já agora convido-te a visitares o meu blog :)
Miguel, muito obrigado pela visita e elogio =)
Talvez não seja também um livro agradável de ler, no que toca ao espírito dele... Ainda que não o caracterize dessa forma (quase fria!). Mas estou muito, muito expectante em relação ao filme. Acredito que, se bem dirigido, pode ser tão bom ou melhor do que o livro. Mas talvez agora já não vá tão esperançoso!
Pedro, tens de ver o filme. A tua opiniao em relação ao filme pode ser oposta à minha.
:)
Eu tenho este livro na pilha "a ler" há seculos, e não há maneira de lhe pegar.
Iceman, pergunto-me se gostarás do livro! Por um lado sei que gostas do tipo de livros que dá para pensar um pouco, dá para analisar. Isso "Revolutionary Road" oferece. Por outro lado... Conhecendo um pouco do teu "feitio de leitor", pergunto-me se o livro te conseguiria fazer "sentir" alguma coisa.
Para além de que é americano!
Apesar de ter gostado (e apesar do que disse sobre as personagens), honestamente não faço muita força para pegares nele. Quando te apetecer mesmo, senão certamente não te vai agradar.
Olá, li este livro no início do ano e penso que a altura do ano tem uma grande influência no nosso estado de espírito para ler algo. Sim, este é daqueles livros em que não vale a pena tentar gostar das personagens. O livro tocou-me imenso, talvez devido à escrita, ou à idade das personagens ser próxima da minha, aquela idade em que somos "adultos", "não jovens irresponsáveis" e que sentimos em que nos foi roubada a possibilidade de sonhar com algo diferente, com uma vida diferente. É um daqueles livros que vai ficar comigo durante muito tempo.
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