quinta-feira, 24 de junho de 2010
Guerra Mundial Z, de Max Brooks
A Guerra dos Zombies quase destruiu a Humanidade
Trabalhando para a Comissão do Pós-Guerra das Nações Unidas, Max Brooks teve acesso quase exclusivo aos arquitectos da vitória da Guerra Mundial Z. Se o relatório da ONU fornece um relato factual autorizado de tudo o que aconteceu, nesta obra, de um dos principais autores e investigadores que contribuíram para esse relatório, estão os testemunhos, feitos na primeira pessoa, dos que viveram o surto da epidemia/pandemia e que revelam o terrível custo humano deste conflito.
Do doutor Kwang Jingshu, o médico chinês que examinou o "Doente Zero", a Paul Redeker, o muito controverso autor do Plano Laranja, Brooks falou com mais protagonistas fundamentais da Guerra dos Zombies do que qualquer outra pessoa. E registou também o testemunho dos veteranos da Batalha de Yonkers, dos "novos samurais" do Japão e das guarnições militares dos castelos do Norte da Europa. Ao longo deste livro, o autor revela a extensão integral das transformações sociais e políticas a que o surto deu origem.
A natureza perturbadora destes relatos pessoais exige ao leitor alguma coragem. Mas, como diz Brooks, não podemos esconder-nos por detrás das estatísticas entorpecedoras dos relatórios oficiais. Chegou a altura de encarar o verdadeiro horror que foi a Guerra dos Zombies.
"Uma obra obrigatória [...] Ficamos a pensar se Brooks sabe alguma coisa que nós não sabemos"
Simon Pegg, actor e argumentista
De certa maneira, este é um livro com uma das premissas mais interessantes que vi nos últimos tempos, mas estruturado de uma maneira que, em princípio, não irá chamar a atenção à maior parte dos leitores. Trata-se, pois, do relato do que foi uma espécie de "Terceira Guerra Mundial", não fosse o mundo inteiro contra uma única raça, os Zombies, invencíveis aos olhos dos humanos já perdidos. Ao longo do livro vamos lendo inúmeros relatos de quem viveu a guerra, de quem nela participou directamente (e todos os humanos inevitavelmente sofreram directamente desta misteriosa infecção), o que se passou realmente por detrás das informações que saíram cá para fora, que os media foram divulgando. A realidade dos confrontos, as verdadeiras causas de esta infecção se ter espalhado pelo mundo, ao que isso realmente levou na organização da nossa sociedade... Essa é a parte mais interessante.
A parte que pode ser (pode, não é necessariamente) mais aborrecida será a maneira como está escrito o livro. Trata-se pois de um relato, um conjunto de textos organizados em relatório que apontam o testemunho de vários. Não há propriamente um fio condutor, para além da evolução do avanço dos Zombies, nem personagens específicas, nem o narrador (que se limita a entrevistar) intervém. Da minha parte, digo que isso ajudou a tornar este livro tão interessante quanto podia ser, e quase realista. E há, de facto, partes bastante aborrecidas... Quando o autor se põe a divagar sobre política, sobre logística, sobre todos os pormenores bélicos, o leitor é bem capaz de querer adormecer. É talvez o grande ponto fraco do livro, não manter o nosso entusiasmo nessas partes que são, naturalmente, as menos emocionantes.
Há, sem dúvida, uma preocupação imensa do autor em fazer parecer que tudo isto aconteceu, que esta Guerra Mundial Z é algo verdadeiro. Sinceramente, lendo este livro parece que já esteve mais longe de ser falso!
Porquê essa sensação? Principalmente, este livro reflecte a acção humana na guerra. Não a ameaça dos zombies. À nossa frente temos uma dissertação de como foi possível uma infecção destas se ter espalhado pelo globo (e não foram as aves que a transportaram, como poderão ler) e como isso veio afectar a nossa sociedade. As mudanças políticas e sociais que se procederam são o grande alvo deste livro.
Como reagiríamos perante uma ameaça destas? O que aconteceria ao mundo que hoje conhecemos? Como evoluiriam as políticas e economia mundiais? Como reagiria cada um, o que o Homem faria? Acima de ser um livro de terror, este é um livro de análise social.
Está, sem dúvida, bastante interessante essa observação. Brooks é capaz de nos fascinar com as teorias possíveis, completamente reais, de como uma guerra se processaria, e principalmente como é que conseguiria atingir proporções mundiais (supondo que estes relatos foram imaginação sua, e que tudo o que disse veio da sua mão e não de mais alguma coisa...). Fiquei absolutamente abismado pelo relato do comportamento de cada um, de como mais do que uma guerra isto tornar-se-ia o caos da nossa sociedade. A meio do livro, esqueci-me totalmente que este era um livro sobre zombies!!! De alguma maneira, tudo pareceu possível de ser posto em prática. Mais assombroso do que o terror do zombie é a crítica que Brooks faz às nossas mentalidades, aos nossos actos. Muito bom.
O livro evolui, finalmente, para as perguntas "Como conseguiríamos recompor-nos? Como nos organizaríamos para vencer? Conseguiríamos? E como seria depois?". Achei a resposta a estas perguntas agradáveis, demasiado agradáveis, e embora gostasse de desenvolver isso não o farei (para que possam ler o livro!). Ainda assim, digo que a Humanidade nunca deixou de ser uma coisa: uma única espécie. E isso nunca nos devemos esquecer.
Há muita coisa que ficou por explicar. Há imensas falhas neste livro, que não existiriam se tivesse o triplo das páginas. Creio que não é isso que se procura. De tão verídico que se torna, o leitor quase que "exige" um desenvolvimento. Achei francamente mal explorada a parte da economia mundial, da sua evolução antes e depois da guerra, da energia mundial principalmente... Muitas questões políticas que poderiam ter sido abordadas, que não poderiam sair imunes no após-guerra, mas das quais o autor pouco desenvolve. E nunca chegamos a saber o que são, realmente, os zombies, mas creio que é suposto continuar assim!
Ah, já me estava a esquecer! Este livro é sobre zombies! Pois, pois claro... Uma menção honrosa, pois, ao que é um dos melhores livros de terror que acho que saíram actualmente. Parte dessa qualidade vem da veracidade de alguns relatos e do desenvolvimento da análise social, mas disso já falei e elogiei demasiado. "Guerra Mundial Z" é um livro que nos consegue fazer olhar para a janela, à espera de ver um zombie a surgir ao virar da esquina. Melhor: é um livro que nos consegue fazer recear isso. Pessoalmente, essa sensação, a sensação de horror, vai diminuindo ao longo do livro... Talvez porque o autor se debruce sobre outros assuntos, a verdade é que a sensação de "terror" não é constante, diminui ao longo da leitura. Ainda assim, num livro de 400 páginas, a primeira metade consegue ser assustadora! O aparecimento da "infecção", as vítimas, o Grande Medo! Põe os mais nervosos a roer as unhas, assombrados com o horror que os zombies podem ser, com a sufocante sensação de perdição, de que não é possível sobreviver ao que se está a passar, que estamos cercados...
Como disse, verdadeiro terror.
Um livro que, acima de tudo, nunca deixa de ser interessante. Tem as suas partes mais aborrecidas (alguns relatos de guerra e fuga deram-me sono...), está longe de ser uma obra a que chamasse "mestre", mas consegue ser sempre diferente e cativante. Não recusaria a sua leitura. Um livro que merece ser lido, merece leitores que o vivam, e tenho a certeza que o será. Vale a pena, pois.
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9 comentários:
Pedro,
não será este livro uma metáfora?
Demasiado directa para que lhe pudesse chamar apenas metáfora, digo eu... Mas sim, basicamente é isso.
E acho que essa nem foi a primeira intenção do autor... Dado que ele é autor de outros livros sobre zombies, acho que ele começar a debruçar-se sobre estes temas sociais foi mais algo que surgiu durante com a escrita ;)
Será uma metáfora sim. Bastante directa, ainda assim.
Olá Pedro :) Vim aqui ao teu espaço procurar se tinhas alguma opinião do livro "Norwegian Wood" do japonês Murakami...só vim mesmo para isso. E deparo-me com este comentário de um Tiago e penso: "Isto é muita muita muita coincidência!!!" :)
Já agora, gostava de saber se já leste para saber a tua opinião :)
Tiago,
muito, muito obrigado pelo site! Como sabes, ainda só li um livro dele, mas a vontade de ler o resto é enorme...
O site está ESPECTACULAR!!!
Ana Carolina,
ainda não li esse livro. Só li "Sputnik, Meu Amor", tenho aqui a minha crítica, e embora pequeno deu para concluir uma coisa: a escrita de Murakami é VICIANTE. ;)
Boas leituras!
Concordo mesmo :) É tão cativante. Estou bastante entranhada na história :)
Lê o que te referi, muitos referem que é o melhor :) Estou a preparar-me para ler tudo dele :)
Obrigado, boas leituras para ti também :)
Mais um livro que gostei bastante. Acho que se o Saramago fosse um jovem e ainda vivo teria pegado neste livro e transformado em “Ensaio Sobre Uma Invasão Zombie” (risos…), só que o Max conseguiu faze-lo de uma forma muito mais acessível e que nos permite ter a sensação, “onde é que eu estava quando isto realmente aconteceu”, pois consegue de facto, através da acções e impressões humanas transmitir a ideia do verídico.
Bom Post**
Elphaba, tens toda a razão! Nunca tinha pensado nisso, mas o livro não está nada longe dos "Ensaios" de Saramago hehehe
Excelente observação.
Também achei de uma veracidade fantástica. E não só pelas descrições, pela acção. Todos os processos que desencadeiam a epidemia, ela própria, parecem absolutamente possíveis no nosso mundo. Fica apenas o mistério: e antes do Doente Zero?
Não gosto de pensar nessa questão, pois existem demasiados factos que a minha mente não alcança e que o meu ser nunca conhecerá e isso é algo perturbador no mundo onde vivemos. Um mundo onde tanto acontece e nós, os comuns, nunca chegamos sequer a apercebermo-nos.
Mas pronto eu sou fã de FC e Fantástico e a minha mente não tem limites.
É terrivelmente assustador, mas acho que é o que mais me chama a atenção! Deixar-me a divagar no assunto...
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