Vyshinski: Qual
é a sua profissão?
Rostov: Um
cavalheiro não tem profissão
Vyshinski: Muito
bem. Então, como é que ocupa o seu tempo?
Rostov: Com
jantares, conversas, leituras, reflexão. O habitual.
Vyshinski: E
escreve poesia?
Rostov: Já
me aconteceu esgrimir a pena, sim.
Por
causa de um poema, um tribunal bolchevique condena o conde Aleksandr
Rostov a prisão domiciliária. Ficará retido, por tempo
indeterminado, no sumptuoso Hotel Metropol. A prisão pode ser
dourada. Mas é uma prisão.
Estamos
em Junho de 1922. Despejado da sua luxuosa suíte, o conde é
confinado a um quarto no sótão, iluminado por uma janela do
tamanho de um tabuleiro de xadrez. É a partir dali que observa a
dramática transformação da Rússia. Vê com tristeza os
magníficos salões do hotel, antes animados por bailes de gala,
serem agora esmagados pelas pesadas botas dos camaradas proletários.
E vê-se obrigado a negociar a sua sobrevivência, num ambiente
subitamente hostil.
Aos poucos, porém, o aristocrata descobre
aliados no hotel, com quem partilha o seu amor pelo belo - e a
defesa de valores morais que nenhuma ideologia poderá vergar.
Faz-se amigo do chef, dos porteiros, do barbeiro, do
encarregado da garrafeira, e com eles conspira para devolver ao
Metropol a sua antiga e majestosa glória. Ao mesmo tempo, toma sob
a sua proteção uma menina desamparada, a quem provará que a vida
não se resume à luta de classes.
Amor Towles oferece-nos um dos mais requintados (e melancólicos) romances dos últimos anos.
Uma obra épica, habitada por uma galeria de personagens inesquecíveis e servida por uma escrita de uma elegância cada vez mais rara nas letras contemporâneas.
Amor Towles oferece-nos um dos mais requintados (e melancólicos) romances dos últimos anos.
Uma obra épica, habitada por uma galeria de personagens inesquecíveis e servida por uma escrita de uma elegância cada vez mais rara nas letras contemporâneas.
Melhor
Livro do Ano
Chicago
Tribune, Washington Post, Philadelphia
Inquirer, San Francisco Chronicle, NPR.
Várias vezes falo
sobre expectativas. Não querendo dar a entender que sou uma pessoa
demasiado repetitiva ou incapaz de outras divagações, a verdade é
que a expectativa é uma grande constante da condição humana. Não
há momento das nossas vidas, desde um encontro romântico a um
simples dia de trabalho, ao sucesso dos filhos, ao sabor do pão que
vamos comer, que não seja antecipado por esse sentimento de
promessa, seja ela boa ou má. Todas essas experiências serão
ditadas, antes de mais, pela expectativa que lhes é reservada.
Não querendo
comparar uma leitura a uma experiência de vida marcante (e, ainda
assim, pode marcar-nos ao ponto de mudar as nossas expectativas de
futuro), é também marcada pela expectativa e esta tem o poder de
tornar um livro algo prazeroso ou algo completamente abominável.
Algumas vezes, a promessa é grande: vemos um best-seller com
críticas fenomenais e esperamos que seja uma leitura emocionante. E
o livro até pode ser muito bom: mas a nossa expectativa era tão
elevada que acabamos por nos sentir defraudados.
Depois, há livros
para os quais reservamos poucas expectativas. Foi o meu caso neste Um
Gentleman em Moscovo. A encadernação está muito gira e é uma
surpresa encontrar hoje em dia livros novos a receber este tipo de
tratamento (parabéns D. Quixote); os críticos têm reverenciado o
livro. Só coisas boas. Ainda assim, não posso dizer que estivesse
com grandes esperanças. Em parte, acuso a sinopse na contracapa, que
explora mesmo muito mal o que o livro é. Mas ainda bem que assim é,
pois vi-me perante uma leitura verdadeiramente deliciosa que me
agarrou até à última página noite adentro.
O Conde Aleksandr
Rostov é um aristocrata, um exemplo de etiqueta, tradição e gosto
pelo charme e elegância que caracterizava a Nobreza. Após a
Revolução na Rússia no início do séc. XX, é preso por tempo
indeterminado no luxuoso Hotel Metropol. E isso é tudo o que
precisam de saber. O livro desenrola-se ao longo dos anos, das
décadas, descobrindo pequenas aventuras pelas quais o Conde e o
próprio Hotel passam, e encontros com personagens únicas que vão
marcando a nova vida do Conde neste mundo dentro do mundo.
Todo o livro é
encantador, escrito com uma jovialidade que contrasta com a dura
realidade da Rússia na época. O Conde é uma personagem sempre
educada, conhecedora das boas maneiras, e facilmente somos atraídos
pela sua disposição. De capítulo a capítulo, sem aviso e sem
momentos aborrecidos, somos surpreendidos com pequenos gestos que nos
provam que há sempre mais a esperar desta leitura, como uma gaveta
secreta ou uma história por contar. E é disso que este livro é
feito: os pequenos gestos, os encontros, o acumular de pequenas
experiências que tornam o Metropol uma existência digna de ser
lembrada.
O contexto histórico
é, claro, importantíssimo. O nosso Conde, resguardado na sua prisão
luxuosa, sofre apenas indirectamente os efeitos da nova Rússia. E
mesmo nisso o livro é uma leitura maravilhosa, a fazer lembrar o
estilo de O Rapaz de Pijama às Riscas ou A
Rapariga que Roubava Livros.
A realidade, brutal, é apenas discretamente apresentada, com a
ingenuidade inerente àqueles que não a sentem na pele. No caso
do nosso Gentleman, apenas percebemos o efeito da História pelas
pessoas que passam no Metropol, as mudanças na gerência e nos
costumes, nos zunzuns dos corredores, mas sem nunca presenciar
verdadeiramente os horrores que se viveram. Ainda assim, lá
estão esses pesadelos, arranhando a porta do hotel. E se o
nosso Conde é sempre uma personagem tão convidativa, será talvez
porque esta “prisão” conservou a sua aura, alienada dos
sofrimentos nas ruas do seu país (que, ao longo das décadas, é
cada vez menos seu).
É
um livro muito descontraído. Apesar das suas 500 páginas,
lê-se num ápice. A sua grande
proeza é ser capaz de ser descontraído e elegante ao mesmo
tempo. O escritor prova que uma escrita apurada, rica, de
qualidade digna de clássicos, pode ser uma escrita descontraída,
sem presunções. E se não nomeio desde já este livro como um
clássico da Literatura Moderna, será talvez pelo seu estilo talvez
demasiado propagandista (claramente
defensor das aristocracias do séc. XIX), que várias vezes se
torna tão evidente que quebrou um pouco a minha leitura.
Tenho muita, muita
dificuldade em classificar o livro. Quatro estrelas ou cinco
estrelas? A verdade é que foi uma leitura soberba e com uma
característica que, para mim, distingue os grandes livros: faz-nos
querer reler. Por isso, talvez merecesse cinco estrelas. Não
obstante, guardarei as cinco estrelas para aqueles livros nos quais
não encontro qualquer falha, qualquer que ela seja. O livro peca,
como disse, por um saudosimo dos tempos da aristocracia que, em
certos momentos, soa a alguma propaganda, e apesar de ser suposto
simpatizarmos com esse estilo de vida creio que era desnecessária. A
propaganda pode ser dissimulada no enredo, inteligente, e é-lo a
maior parte das vezes. Mas nem sempre. Para além disso, várias
vezes o narrador da história quebrou a minha dedicação à leitura,
e aqui encontro a maior falha deste livro. Frequentemente varia entre
um narrador não participante, contando a história como se fosse um
mero observador omnisciente e omnipresente, e um narrador que
aparenta fazer parte do próprio hotel, como se ele próprio lá
vivesse. O conflito é grande, a dúvida interrompe o ritmo da
leitura e chegados ao fim conclui-se que estas variações no estilo
foram completamente inúteis e nada acrescentam à qualidade da
escrita.
Não me vejo a
adquirir os restantes livros do autor na sua edição original (não
fiquei fã a esse ponto), mas espero sinceramente que a D. Quixote
decida editar os seus outros livros. Um Gentleman em
Moscovo é um livro soberbo, que na sua postura sempre
elegante conquistará os leitores portugueses este ano.
Sem comentários:
Enviar um comentário