sábado, 11 de fevereiro de 2012

A Saga de um Pensador, de Augusto Cury

Neste seu primeiro romance, o psiquiatra Augusto Cury narra a trajectória de Marco Polo – não o navegador e aventureiro veneziano do século XIII, mas um jovem que embarca na grande aventura que é a vida. 

Marco Polo é um estudante de Medicina, um espírito livre cheio de sonhos e expectativas. Ao entrar para a faculdade, é confrontado com uma dura realidade: a da insensibilidade e frieza dos seus professores, que não percebem que cada paciente é, mais do que um conjunto de sintomas, um ser humano com uma história complexa e única de perdas e desilusões. Indignado, o jovem desafia profissionais de renome internacional para provar que os pacientes com perturbações psíquicas precisam de mais que remédios e diálogo – precisam de ser tratados como pessoas, como iguais. Numa luta constante contra a discriminação, Marco Polo vai provocando uma verdadeira revolução de mentalidades...



Há já algum tempo que procurava este livro. Finalmente comprei-o por uma pechincha na Feira do Livro (num alfarrabista. Não, eles não têm só livros do século passado, têm até livros bastante recentes, alguns usados mas em excelente estado, e mais baratos!! - promoção gratuita a esses livreiros preciosos a quem chamamos alfarrabistas e que, infelizmente, são bastante desprezados pelo público, esmagados pelas grandes lojas e deitados à rua por uma crise econóica).
Creio que desde que saiu (2005) que tenho vindo a ler um pouco por aí sobre este livro e criei as minhas expectativas. O título é muito apelativo (sobretudo quando eu próprio me considero um pensador) e as críticas parecem dizer maravilhas do livro.

Marco Polo é um estudante de Medicina invulgar: prefere olhar para as pessoas do que para a Anatomia. Um verdadeiro estranho numa sala onde não importa onde a mão tocou, mas sim quais os músculos e tendões que a fazem mover. Ao tentar conhecer essas pessoas que já o foram, abafadas pelas lições do professor sobre acidentes anatómicos, ossos e ossinhos e vasos e movimentos articulares, acaba por travar amizade com um sem-abrigo, que se revela um autêntico génio, um filósofo da vida.
E este é o princípio do livro. Só o princípio, pois trata-se de facto de uma saga, acompanhando Marco a partir da faculdade até muitos, muitos anos depois.

Infelizmente, não me encheu as medidas, como esperava. E o que esperava eu? Uma profunda reflexão filosófica, sim, que discutisse a Psiquiatria e a Psicologia, a diferença entre ser Médico, ser Doente e ser Pessoa, uma visão humana sobre a vida e a Medicina e a forma como nos damos uns com os outros e com nós próprios neste mundo, sobretudo na sociedade dos tempos de hoje (o livro foi escrito em 2005, relativamente recente). No entanto, o que li não foi, para mim, um olhar actualizado. Teria muito mais consideração pelo livro se tivesse sido escrito há umas décadas atrás, quando obras como Voando Sobre um Ninho de Cucos de facto quiseram mudar a forma como a psiquiatria era encarada.

Parece-me que o escritor se baseou num apanhado de estereótipos no mundo psiquiátrico (o doente maluco, o médico técnico, até o sem-abrigo inculto), reunindo assim uma história que tenta emocionar qualquer um. Engana os leitores a pensarem que estão perante uma voz única num mundo onde a Medicina não foi ainda humanizada, quando essa realidade há muito tem sido combatida. O tempo dos doentes psiquiátricos que eram tratados como menos do que pessoas, das instituições de saúde vistas como prisões de malucos, há muito que foi questionado.

Com o passar da leitura fui-me deixando embrenhar nas simpáticas personagens, e confesso que me fez pensar e ganhar muita perspectiva. Conseguiu-me fazer sentir a vida da forma que tenta pregar. Mas, por muito que o livro discuta um bom tema (e o tema é interessante), por muito grande que seja a dose filosófica e "life changing" presente (que eu gosto, mas que para mim neste caso não é original, ou única), por muito que me tenha agradado o fim, não consigo deixar de olhar friamente para o livro.
De facto, temos muitas situações de médicos que não vêm a "pessoa" mas sim o "doente"; um profissional de saúde receita um medicamento e esquece-se de conhecer o contexto social, familiar, cultural do paciente; as empresas farmacêuticas que fazem de tudo para vender fármacos e a sua estratégia tem mais a ver com lucro e menos com saúde. Mas não vivemos em meados do séc. XX. No séc. XXI dá-se muita preocupação à formação do médico não apenas como técnico de saúde. Há uma preocupação na relação médico-doente e na comunicação. A medicina cada vez mais é feita "para" a pessoa, "pela" pessoa e "com" a pessoa. Eu compreendo que muitos leitores respeitam o livro por querer ser humano, querer quebrar as regras de um mundo capitalista e impessoal, e sejamos francos por ser bastante lamechas como gostam de ler. Mas o que Augusto Cury fez ao publicar esta história foi perpetuar um estereótipo do acto médico que já tem sido combatido. Encontra-se absolutamente fora do tempo, é no fim de contas uma obra pretensiosa.

A escrita consegue ser lindíssima e muito, muito poética. Mas o autor (também ele médico) expressa as suas personagens numa linguagem tão poética, tão florida, que muito rapidamente parece algo artificial.
O enredo é um pouco forçado, com pouca consideração (mais uma vez) pela realidade presente (demasiadas coincidências, demasiados clichés), mas suponho que foi o necessário para que conseguisse transmitir os seus pontos.

Honestamente, gostava muito mais de ter lido não-ficção de Augusto Cury. Talvez nesse caso admirasse de facto o trabalho feito. Como ficção, acaba por cair numa certa artificialidade e estereótipos desactualizados. Não quero dizer que certas situações não sejam bem apontadas, mas no geral é uma história bastante exagerada.
Enfim, Augusto Cury é um escritor brasileiro e não é o primeiro que tenta vender estas ideias bonitas de como viver a vida e ser feliz (o público come de facto essas lamechices, e os brasileiros têm jeito para isso).

Apesar de tudo, não deixou de mudar um pouco a minha visão do mundo. Quando pomos o livro de lado, é impossível não olhar para além do material, para além de toda a sociedade onde nos inserimos. Sim, o livro marcou-me! Os ideais que transmite corresponderam às minhas próprias ideias! Mas como literatura de ficção deixou bastante a desejar.



5 comentários:

Paula disse...

Este foi um livro que me marcou :)

NLivros disse...

Este foi o primeiro livro que li do autor e também gostei muito.

Pedro disse...

Paula e Iceman, apesar de ter gostado muito, não me preencheu como esperava. É difícil de explicar, porque de facto marcou-me, apresenta uma maneira de encarar a vida e o mundo tão única e inspiradora, pousar o livro era como abrir os olhos pela primeira vez.
Mas, primeiro, não é de todo o primeiro livro que leio a abordar esta visão idealista, pouco materialista, e já encontrei trabalhos fascinantes tanto na Literatura como no Cinema. Eu próprio sou muito idealista. Mas como livro há tantas coisas a falhar... Pareceu tão pouco natural! As personagens são muito simpáticas, mas tão estereotipadas... Basicamente, foi como obra literária que me desiludiu. Teria sido tão, mas tão bom se escrito de outra forma... (assim de repente, porque não um diário? Ou simplesmente não um romance, mas em jeito de ensaio?)

susemad disse...

Este livro realmente prima por uma escrita poética e embelezada, consegue de todo marcar o leitor. Toda a história é envolvente e está recheada de conceitos que nós próprios idealizamos e que acreditamos. Só que soa, como tu mesmo referes, a "cliché". No entanto, também gostei imenso de o ler e também foi um livro que me marcou.
Aconselho a sua leitura.

Miguel Pestana disse...

é um livro que mudou o meu antigo modo de ver...as Coisas.

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