segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Nuvens e Labirintos, de José Mário Silva

Atiras o relógio pela janela, com
raiva, uma trajectória que acaba
no pequeno pátio onde os gatos
brincam com as sombras. Dizes
regresso, navio, Ulisses, palavras
contra a ideia do tempo que passa
por nós assim, quinze andares a
pique e depois nada. Eu olho as
nuvens lá no alto, distantes, são
as mesmas que os gregos viam,
igual brancura e lentidão; os gatos
escondem os ponteiros inuteis, tu
perguntas algo que não entendo,
algo sobre a importância do mar
quando uma cidade nos espera.
(15.º ANDAR, José Mário Silva)


Já li alguma coisa para, cada vez que pego num livro deste género, saber o que esperar. Cá em Portugal, quem se atreve a utilizar uma linguagem mais poética para se limitar a descrever situações e sentimentos tende a utilizar uma linguagem um pouco confusa, muitas vezes densas, e quase sempre disparatadas. Utilizam palavras e expressões caras, interligando-as de maneira a perderem completamente o sentido! Querem que o texto pareça poético, portanto misturam palavreado até que se contradigam, até que perca completamente o seu significado, para ficar um texto poético completamente oco.

Bem, "Nuvens e Labirintos" é uma excepção à regra. Felizmente.

Trata-se de um livro dividido em quatro partes, com texto por vezes só de 3 linhas, a maioria como o que é apresentado na contracapa (e que transcrevi em cima). São textos bastante pequenos, num estilo que parece poesia mas ao mesmo tempo talvez deva ser lido de maneira mais perspicaz.
Cada texto é como uma fotografia, e esse é em parte o seu grande encanto. Cada texto é como uma fotografia, mas em palavras, e isso é algo único de se fazer em tão poucas linhas.

Cada parte debruça-se sobre um determinado assunto, desde o esplendor perdido da Grécia Antiga, do Classicismo, na bruta actualidade, até à memória, ao legado e à arte. Acima de tudo, há um tema que predomina o livro inteiro: o Tempo. Seja ele o passado, o presente, o futuro, o sonhado ou o real, é sempre uma provação.

É um livro poético, que consegue captar uma imagem e livra-se de utilizar vocabulário menos acessível. Acima de tudo, é um pequeno livro (80 páginas!) a ser lido em muito tempo... De maneira a apreciar cada texto. Aliás, porque não um texto por dia, tentando-o reconhecê-lo à nossa volta? É, sem dúvida, uma obra a saborear bem, caso contrário será insuficiente.

2 comentários:

Ana Luisa Alves disse...

Olá! Gostei muito do teu blog! Aproveitei para colocar o link no meu blog. Espero que não te importes :)
Cumps
Alu

Pedro disse...

Obrigado Ana, fico muito feliz por ver que agrado! =) E claro que não me importo nada.

Quem também lê