terça-feira, 15 de setembro de 2009

O Verso da Língua, de Juva Batella

Sente que o Novo Acordo Ortográfico é confuso? Que nunca se vai habituar? Que nem sequer teve voto na matéria? E de que lado ficaria se pudesse, de facto, votar? Até onde estaria disposto a ir? Juva Batella foi longe, e criou esta trama insólita - onde não faltam mistérios, sequestros, assassinatos, suicídios e investigações policiais à italiana - protagonizada pelo Verbo; pelo Substantivo; pelo Dr. Aurélio, sempre a citar o grego e o latim (do latim latine); pelo Pleonasmo, exaustivamente cansativo; pelas Gírias, sempre marotas; pelas Interjeições, sempre aos berros; pelo Palavrão, sujeito tosco e mal-educado; pelo Negrito e o Itálico, membros dos grupos étnicos desfavorecidos; pelo Interrogação, armado em filósofo e cheio de dúvidas; pela Voz Passiva e pelo Pronome Apassivador, casal neurótico mas feliz; e por muitos outros. Todo o universo da língua está aqui, num romance híbrido - policial linguístico - sobre a violência das palavras e a nossa língua-pátria, que é também mátria e é frátia - essa língua transatlântica que todos falamos e que nos faz dizer, como Caetano Veloso: «Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões».

Agora com o Novo Acordo Ortográfico, muito se discute e muito se procura esclarecer.
Este livro pega na polémica e aproveita as suas personagens.

Este livro é teatro. Mas em prosa.

Temos imensas, imensas imensas personagens, todas saídas das gramáticas portuguesas! Melhor ainda, cada uma tem uma palavra a dizer, o que as torna super interessantes!
Um rol tão grande de personagens pode-se tornar, contudo, algo cansativo.

Tudo começa numa reunião entre sinais de pontuação, classes de palavras e funções sintácticas. Uns são contra o Novo Acordo, outros não!
Uma coisa é certa: cada uma tem a sua razão. No entanto, como pessoas e leitores, acho que temos de procurar nós próprios uma razão para nos defendermos, e não é procurando neste livro, que se trata simplesmente de uma discussão entre coisas que constam na gramática e que consideramos essenciais!
Entretanto, o Ponto Final desapareceu. Raptado? Porquê? Sem o Ponto, o Novo Acordo não pode avançar! Quem ia querer impedir de tal maneira o Acordo que levaria a este extremo?

Todo o livro é cheio de imaginação e brincadeira. Brincadeira porque Batella pega na Gramática Portuguesa e cria personagens. O texto é tal e qual um teatro. Cada uma tem a sua fala, o seu aspecto. É sinceramente muito engraçado, e tanto ouve alturas em que me ri um bocado como alturas em que senti que aquelas personagens, que são tão conhecidas, mas abordadas de maneira tão diferente aqui, que nos leva a procurá-las, a querer falar com elas.

No entanto, este livro data de 1995!!! Sinceramente, acho que já passou muita água debaixo da ponte, como se costuma dizer. Talvez faça muito muito sentido ler este livro agora, mas entretanto a discussão sobre o Novo Acordo Ortográfico desenvolveu-se de maneira que há coisas que poderiam ser discutidas neste livro que... Não o são.

Um livro engraçado, uma brincadeira que se desenvolve muito maduramente! Até fiquei impressionado nesse aspecto! A história é bastante sólida e tem um enredo que não se pode dizer apenas "giro", mas sinceramente adulto. No entanto, 1995 já foi há muito tempo, e agora queríamos talvez uma sequela que se ajuste ao que hoje se discute mais...

Recomendo a sua leitura para quem procura um livro... Algo diferente. Um livro com personagens tão ideais!!!
E para um verdadeiro interessado pela Língua Portuguesa.
Acho que será sempre o tipo de leitura que passamos e que até apreciamos, como um chá das cinco.

6 comentários:

Juva Batella disse...

Pedro,

Que óptimo blogue este. Parabéns. Li o que escreveste sobre o meu livro, e gostei. Acho que eu teria escrito o mesmo... : )

Tens toda a razão quanto ao longínquo ano de 1995, mas a edição brasileira está diferente da portuguesa. Antes de mandarmos para o prelo, aqui em Lisboa, procurei adaptar questões e discussões. Resultado: o livro ficou um bocadinho mais actual.

Se estiveres interessado nalguns aspectos do Acordo Ortográfico, sugiro que apareças no meu blogue (Blague do Juva). Ali encontrarás um artigo sobre a coisa.

Mais uma vez, obrigado pela atenção.

Um abraço,

Juva

Menphis disse...

Já tenho este livro e irei ler o mais breve possível. Acho a história bem curiosa e certamente será uma leitura diferente daquilo que estou habituado.

Parabéns pela critica e mais ainda por receber um comentário do próprio autor do livro ;)

Ana Carolina disse...

E as estrelinhas? *

Pedro disse...

Juva Batella,
Muito obrigado! Sinto-me até lisonjeado por ler a minha opinião acerca do seu livro e comentá-la...
Reparei de facto que a referência a certas personalidades e acontecimentos (acho que em 1995 ninguém lembrar-se-ia de Soraia Chaves) foram uma espécie de actualização!
Mais uma vez, digo que teve uma boa ideia: uma brincadeira. O livro está muito giro. É típico fazer este tipo de brincadeiras com um policial, e de facto resultou, até porque quando pensamos na luta entre a Gramática para querer o poder, há-de haver sempre um ganancioso que procura matar quem não interessa. Gostei sim senhor, e acho que é daqueles livros que os professores podiam muito bem aconselhar nas aulas de Língua Portuguesa!

Menphis,
é uma leitura que tenta ser o mais original possível, podes crer ;) Mas, uma vez que se trata de um policial, acho que a grande novidade é mesmo as personagens! Eu achei muito, muito curioso Batella pegar em sinais de pontuação, figuras de estilo e classes de palavras... Em espécies de "pessoas". Espero de facto que gostes... Sinceramente, acho que vais achá-lo uma leitura interessante, mas normal.

Ana Carolina,
já lá estão! Esqueci-me... LOL

Um grande abraço

Célia disse...

Parece extremamente original... Como a língua portuguesa é um tema que me interessa, estou a considerar lê-lo :)

Pedro disse...

Canochinha,
sim, é muito original =) Acho que é muito, muito engraçado, Batella pegar e construir estas personagens... E isto é um policial, pelo que torna-se uma espécie de "brincadeira" que muito me fez lembrar o que se fez no Conto Partilhado xD

No entanto, acho que mostrei bem na minha opinião que não passa de um bom livro. Nem esperes mais. É uma leitura interessante, mas nada mais. É ainda assim muito, muito giro ;)

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