quarta-feira, 1 de abril de 2009

A Vida Nova, de Orhan Pamuk


"Um dia li um livro e toda a minha vida mudou." Osman, um jovem universitário de Istambul, descreve assim o assombro da sua iniciação à idade adulta. A limpidez desta frase depressa revela, porém, o repto que é lançado ao leitor deste livro singular onde se sobrepõe, camada sobre camada, uma realidade estranha que parece raiar o absurdo. Obcecado pelo livro mágico, que lhe parece mostrar a sua própria vida num outro universo, Osman lê-o com fervor, noite após noite e apaixona-se pela lindíssima jovem, Janan, que é na realidade a pessoa que lhe revelara o livro. Este envolve temas inquietantes como o da identidade, do amor e da morte, e encerra perigos para além da compreensão de Osman. Movido por um impulso incontrolável, o jovem abandona toda a sua vida, para procurar a misteriosa mulher e descobrir os segredos mais obscuros que o livro encerra. Assim, viaja incessantemente em velhos autocarros desconjuntados, até ao coração inóspito da Turquia rural, onde ainda se encontram as pequenas coisas nostalgicamente ligadas ao passado e à identidade do seu povo. Entre nostalgia e ironia, o ritmo trepidante do road novel e o suspense de um thriller, o autor desvenda ao leitor um vasto leque de modos de ser e de viver, únicos e irrepetíveis, que por essa razão se situam no plano da universalidade. Na sua edição inicial (1994), A Vida Nova foi o livro que mais rapidamente vendeu na história da Turquia, apesar da ambivalência com que este autor iconoclasta tem vindo a ser encarado pelos seus conterrâneos.

Aconselho-vos a ler a sinopse: diz precisamente que tipo de livro temos à nossa frente, não tem quaisquer revelações, é portanto bastante elucidativo (e, na minha opinião, atraente!). Não consigo dizer mais do livro do que a própria sinopse!

Resumindo: Osman percorre durante a sua juventude toda a Turquia, à procura de respostas. As perguntas começam a partir do livro, mas rapidamente ele próprio se apercebe que a vida, a experiência lhe põe outras dúvidas. As básicas e mais importantes são: "O que é a vida? O que é a morte? O que somos nós? Qual é a nossa identidade? O que é o Tempo e o Espaço? Qual é o significado disto tudo? O que é a Vida Nova? Existe tal coisa?"
Amigos, Pamuk responde a todas estas questões, através de uma conclusão que, para mim, é genial. É uma viagem autêntica, e quando chegamos às últimas páginas apercebemo-nos, com assombro, do verdadeiro significado das coisas que nos rodeiam, do tempo e da vida.
É, de facto, cinco estrelas o que este livro engloba, um sentido e um significado que infelizmente não partilharei com vocês, já que desejo que peguem no livro!

Além disto, não se trata apenas dum jovem (ou várias personagens) que procura a verdadeira identidade: o livro é uma autêntica crítica à luta entre o Orientalismo e o Ocidentalismo, guerra que a Turquia sofre por estar metida entre os dois! Pamuk discute como a Turquia rural, principalmente, se opõe às ideias ocidentais, que destroem uma identidade cultural, baseada nos valores dos objectos e fechada a ideias estrangeiras. Todo o livro é uma reflexão sobre estes valores e a identidade turca, que se vê em choque com o Ocidente e o Oriente. E o seu próprio pensamento.

Embora seja um livro espectacular, não sei bem se é para todos... Não, definitivamente é preciso calma a aconselhar o livro!
É um livro bastante melancólico! Bastante cinzento, bastante triste por vezes! Não é uma obra optimista, pelo contrário. Isso pode constituir um entrave.
Além disso: a escrita de Pamuk é simples, bastante directa e muito, muito boa. A princípio fez-me lembrar muitíssimo Kafka! A questão é que a leitura deste livro dá luta: por ser directa a escrita, não podemos avançar a 100 à hora. É preciso atenção. A maneira como a história e as personagens estão exploradas, a maneira como o livro é escrito (nesse estilo directo e cru) obriga-nos a ficar atentos!

Talvez se não tivesse as expectativas TÃO altas não teria gostado. Mas tal não aconteceu. Ia com as expectativas demasiado elevadas, tinha de gostar de alguma forma. E sim, a princípio estranhei este livro (é um livro estranho...), mas acabei maravilhado!!! Foi sem dúvida um dos melhores livros que já li, mas é preciso prudência a aconselhá-lo... Recomendo vivamente, mas certifiquem-se que esgtão preparados para o ler. Porque vale bastante a pena!

23 comentários:

Célia disse...

Acho curioso o teu último parágrafo porque eu normalmente funciono ao contrário: quando vou para um livro com expectativas muito elevadas costumo "desiludir-me" e vice-versa. Começo a achar óptimo ir para um livro com a menor quantidade possível de expectativas porque aí a possibilidade de desilusão é menor e a de me surpreender pela positiva muito maior.

Quanto ao Pamuk, conto ler. Não sei se começarei por este, depois logo vejo.

Filipe de Arede Nunes disse...

Ando há algum tempo para entrar no mundo de Pamuk. Ainda não surgiu essa oportunidade, mas conto ler alguma coisa dele ainda este ano.

Vamos ver.

Cumprimentos,
Filipe de Arede Nunes

anaaaatchim! disse...

É sempre engraçado quando um livro se vai entranhando em nós, como este se entranhou em ti =) Começamos pé ante pé, sem ter a certeza se estamos a gostar ou não, e quando damos por ela, já não o conseguimos largar =)

Otário Tevez disse...

estou a pensar ler um dos calhamaços do josé rodrigues do santos. pensei em te pedir um conselho.

tens algum que me aconselhes a ler?

marcia disse...

Pedro,
Adorei os teus comentários ao livro e fiquei muito interessada em lê-lo.

Pedro disse...

Canochinha,
mas é que é mesmo curioso! Repara, a mim também me acontece isso, mas este autor foi claramente uma excepção (única): já estava com tanta vontade de lê-lo, e estava tão decidido que ia gostar que tinha de gostar, percebes? Também prefiro ir com as expectativas baixas (exemplos: "Crepúsculo" e "Os Pilares da Terra", que como sabes acabaram por ser livros preferidos!). Mas eu TINHA de gostar de Orhan Pamuk, as expectativas atingiam a certeza! Espero fazer-me entender!
Quanto a começares a ler, como disse se quiseres ler este livro (e deves!) tens de ir preparada.
Experimenta "Outras Cores" ou "Istambul", que não são romances, para te introduzires no mundo de Pamuk. Em breve vou ler "Os Jardins da Memória", que me parece ainda melhor do que "A Vida Nova" ;)

Filipe de Arede Nunes,
não existia neste mundo autor que mais quisesse ler! E finalmente li!
Aconselho-te para começares "A Vida Nova", "Os Jardins da Memória" e "Outras Cores". Parecem-me os melhores... Mas atenção, tens de ir para esta leitura com atenção! =)

Anaaaatchim,
Resumiste a minha crítica nessa bela frase! De facto, o livro começa por prometer bastante, mas quando começamos parece que estranhamos um pouco... Até que chegamos ao fim e estamos absolutamente assombrados como as coisas seguiram! Não disseste melhor!

Otário,
Como já li todos, vieste ao sítio certo xD Ora, se preferires romances históricos e thrillers tipo "O Código Da Vinci", aconselho "O Codex 632". Se gostas de romances históricos mas passados na época, com um amor à mistura e guerra, "A Filha do Capitão" é uma obra-prima. Se não, "A Ilha das Trevas" não deixa de ser um bom romance com bastante informação sobre a guerra de Timor, e bastante interessante!
Ok, disse três (isto porque não disse os outros =P). Estes três parecem-me bem para começar ;)

Marcia,
espero então que tenha o prazer de ler uma crítica tua sobre o livro!

Um grande abraço

Ana Carolina disse...

Parece ser bastante bom esse livro! Gostava bastante de o ler, a resposta a essas questões que citas devem ser interessantes.

Li esta parte "Talvez se não tivesse as expectativas TÃO altas não teria gostado." mais que uma e mais que duas vezes. É estranho, porque normalmente, quando temos as nossas expectativas muito altas, desiludimos-nos. Então, se ias com as expectativas altas e gostaste, deve ser uma sensação óptima! ;)

Penso seriamente em arranjar maneira de ler esse livro.

Pedro disse...

Ana Carolina, repara que eu não disse que superou as expectativas ;) O que eu quero dizer é que já tinha metido na cabeça que ia ADORAR este autor, por isso mesmo que o livro não fosse grande coisa eu não sairia afectado, porque as expectativas já não eram expectativas, mas sim certezas. Este livro é, de facto, uma excepção, pois foi precisamente por ter as expectativas altas que não saí defraudado.

Por isso, aconselho-te vivamente a compra e a leitura da obra! (acho até que a sinopse é bastante atractiva!!!) Mas prepara-te para o que aparecer... =) Espero ansiosamente pela tua opinião!!!

Francisco Norega disse...

Bem, deixaste-me muito curioso :) Parece-me mesmo o meu tipo de livro, e como já tive uma boa opinião relativamente ao Vida Nova (da parte da minha mãe :P), talvez pense em lê-lo.

De qualquer forma, acho que o termo "Orientalismo" foi mal empregue (não tem mesmo nada a ver, o modo de vida dos Japoneses, Indianos, Chineses ou Tibetanos). A Turquia não está está entalada entre o Orientalismo e o Ocidentalismo, mas sim entre este e um outro ismo - o Islamismo.


Excelente post. Continua assim ;)

A Respigadeira disse...

"Um dia li um livro e toda a minha vida mudou."

O meu livro foi A Insustentavel Leveza do Ser de Milan Kundera. Li este livro ainda na pré-adolescência.

A Respigadeira disse...

Reparei no livro que estas a ler. Deve ser mesmo muito interessante!

Beijinhos

NLivros disse...

Muito bem Pedro, uma excelente e entusiasmante opinião, gostei.

Pamuk faz parte de um grupo de autores que fazem parte de "autores a conhecer". Sei que já devo ter dito isso algumas vezes, mas é a verdade.

Este livro tem muito do que ma atrai na literatura. Conhecer povos e culturas, algo que busco em tudo o que leio.

Fernanda disse...

Tenho de colocar esse livro na minha wishlist!!!
Obrigada pela dica.

Boas leituras!

sofia disse...

Curiosa coincidência esta de ter chegado hoje aqui e, ao mesmo tempo, ter estado hoje mesmo com um livro do Orhan Pamuk na mão. Nunca li nada do senhor, mas achei que deveria. Ganhou o roberto Bolano, mas gostei datua sinopse a este livro. ficará para breve. Blog simpático este... bom para bookaaolics...

Pedro disse...

Francisco Norega,
Hum, ok então... Tens razão, Orientalismo é uma alusão muito grande a Japoneses, Indianos, etc, e de facto não é o caso da Turquia! Acho que me queria referir ao Islamismo mas não só, a um conjunto de valores bastante intrínsecos na Ásia, no Médio Oriente e naquela zona turca... Obrigado pelo reparo! E espero pela tua opinião ;)

Clara,
hás-de ler "A Vida Nova" e verás quão forte pode ser essa mudança neste caso! ;)

Iceman,
sou-te sincero, gostava de ler a tua opinião sobre este autor por uma simples razão: não sei se gostarás ou não. Eu gostei muito, mas atenção: é preciso acabares o livro para conseguires abarcar toda a mensagem, é mesmo preciso seguir a viagem até ao fim! E olha que vale bastante a pena!
Este livro mostra uma análise profunda da Turquia, principalmente da mentalidade da sua sociedade... Enfim, espero sinceramente pela tua opinião!!!

Frencarvalho,
espero que gostes então! Acho que não é o tipo de livro que costumas ler, mas vale a pena experimentar!

Sofia,
Obrigado!
E ainda bem que Pamuk te chamou a atenção, espero por uma opinião tua!
Bem-vinda a este cantinho, espero que as minhas leituras te possam atrair!

Um grande abraço

Menphis disse...

Como sabes estou curioso em ler Pamuk, depois de ler " Outras Cores", a tua opinião apenas me acicatou ainda mais a curiosidade em ler Pamuk.

Pedro disse...

Não sei até que ponto é que a escrita em "Outras Cores" é diferente de "A Vida Nova"... Atendendo às tuas leituras, acho que és homem para ir para a frente imediatamente com "A Vida Nova" ;D De qualquer maneira, é um excelente livro que aconselho com precaução.

Menphis disse...

A diferença penso que seja a de " Outras Cores" é um livro de crónicas e esse é um romance.E, ou muito me engano, ou vai ser um autor para brevemente ler a sua obra.

Pedro disse...

Então, como deves pensar, estou mais do que ansioso por saber das tuas opiniões! Deixa-me aconselhar-te também "Os Jardins da Memória" (que consta ser o melhor de Pamuk). Vai ser uma das minhas próximas leituras! E, claro, "A Vida Nova", mas que mais uma vez volto a alertar: não é uma obra fácil ou animadora, por isso parte para esta leitura esperando de tudo! ;D Tenho também cá em casa "A Cidadela Branca", um livro pequeno mas que, sinceramente, não me parece ser tão bom (acho que é preciso conhecer o resto da obra para dar alguma atenção à Cidadela Branca...). "Neve", "O Meu Nome é Vermelho" e "A Casa do Silêncio" são livros que, infelizmente, conheço pior... Ah, e "Istambul", uma espécie de guia desta cidade e que adorava ler! (já que adorava ir a Istambul, e acho que é precisamente por estar tão viciado em conhecer Pamuk que gostava de conhecer essa cidade...)

Menphis disse...

Pelo "outras cores" e da maneira como ele fala dos seus livros, fiquei mais curioso no " O meu nome é vermelho" e " Os jardins da memória", o primeiro até me faz lembrar um pouco dos livros do Salman Rushdie de quem tanto gosto. E sim, também um dia adorava ir visitar Istambul.

Pedro disse...

Olá Pedro! Queria apenas dizer que é bom ver alguém vibrar com um livro de que também gostei muito. Esse foi o meu primeiro Pamuk e nunca mais deixei de ler os livros dele (ainda faltam alguns).
Abraço

Unknown disse...

Peço desculpa pelo comentario tão desfasado temporalmente mas inadvertidamente encontrei este blog e muitas opinioes aqui expressas correspondem às minhas.
noutras obras consegui controlar-me mas relativamente a "A Vida Nova", nao consegui... é um livro que tem de ser lido com toda a atenção para poder ser apreciada a obra de arte que temos entre as mãos.
nao é um livro para se ler com ligeireza mas com total atençao algo que, pelo menos para mim, nao foi dificil já que ele capta-a loucamente!

"Um dia li um livro e toda a minha vida mudou."

Mais uma as minhas desculpas pela invasao.

Pedro disse...

Olá Mariana!

Primeiro, não peças desculpas por comentar aqui... Porque é o que eu agradeço! Comenta tudo o que quiseres, quero ouvir a tua opinião!

Mesmo que seja num poste que já é antigo, isso não importa =P
Comenta todas as obras que quiseres ;)

Dizes bem, este livro é uma obra de arte. Já o li em Março e acreditas que ainda me farto de falar dele? Nunca, nunca deixei para trás a sua filosofia, marcou a minha maneira de ver o mundo.

Quem também lê